Pequeno Dicion?rio de Arquétipos de Massa

pequenas ficções e alguma crueldade

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segunda-feira, julho 21, 2003
 
Ciborgues


Os primeiros brincos eu coloquei em Londres. 91 ou 92, não lembro bem. Um argolão em cada orelha. Naquela época era legal, eu estava com os cabelos compridos, a cara do Steve Vai (só faltava eu emagrecer uns vinte quilos e saber tocar guitarra que nem esse filhadaputa, mas tirando isso até que eu era parecido). Naquela época já tinha um porrilhão de gente com piercing no umbigo, na sobrancelha, na língua. Mas eu não achava isso legal não: maneiro era tattoo. Conheci um pessoal lá em Portobello Road que me levou num tattoo parlor, é assim que eles chamam lá, supermaneiro, tava tocando Queensryche a todo volume (eu achava meio farofa, sei lá, mas depois alguém colocou um CD do Metallica e ficou mais legal) e fiz a primeira tatuagem: um planeta grande no meu braço esquerdo com uma nave espacial em primeiro plano.
Quando voltei foi um escândalo, mamãe ficou de cama dois dias e meu pai me deu um puta esporro, o que é que você tá pensando da vida? Eu? Eu não tava pensando nada. Só queria tocar meu som e ser feliz.
Mas quando eu fui morar com a turma do Vidal é que foi do caralho. Na época era a maior festa lá em casa, a gente fazia um som lá ou juntava a turma e ia no Garage, lá na Praça da Bandeira. Foi numa dessas que a namorada dele me apresentou a Joana. Maior gata: branquinha, branquinha, cabelo preto comprido. E uma tatuagem de dragão nas costas. Era um dragão vermelho enorme, só dava para ver a cabeça dele quando ela jogava o cabelo de lado. Só fui ver o bicho todo quando levei ela lá pra casa. A cauda do dragão terminava no reguinho da bunda dela. Coisa louca.
O meu dragão não ficou tão grande, mas ficou maneiro. Fiz no peito. Não tenho muito pêlo mesmo, raspei o tufo que tinha bem no meio e mandei o cara tascar lá.
Um dia ela chegou lá em casa com um piercing no nariz. Sabe que ficou bonito pra cacete? Aí eu perdi a bolação que eu tinha com isso e coloquei um também. Também, eu já tinha uns três brincos em cada orelha, pra que ficar de frescura? Eu só não queria fazer na língua (que nem o que ela fez depois, mas o dela ficou legal) porque tinha receio de me atrapalhar na hora de cantar.
Hoje a gente tá comemorando dez anos juntos. Não é mole. A gente chegou a se separar umas duas vezes, mas foi por pouco tempo, a gente nem conta. Da segunda a gente brigou feio, ela até quebrou uma garrafa de cerveja na minha cabeça. Levei oito pontos. Ainda bem que nessa época eu já tinha raspado a cabeça. Pensei que ia deixar cicatriz, e isso ia estragar a tattoo de teia de aranha que eu fiz. Mas não, ficou perfeito. Ficou tão legal que depois ela também raspou a cabeça, mas não tatuou em cima não: colocou um código de barras enorme na nuca, ficou muito maneiro. E logo embaixo, as seguintes palavras: os ciborgues também amam. É ou não é pra ter orgulho de uma mulher dessa?
A última que a gente fez foi juntos, pra celebrar o nosso amor. Sente só: tatuei o nome dela no meu pau e ela tatuou o meu na testa da buceta, logo em cima da rachinha. Na boa, não é lindo?