O Imperador da Galáxia contempla sentado seu reino na tela do computador. Os olhos atentos vasculhando as mensagens, ele mal percebe os óculos que caem na ponta do nariz, as espinhas que povoam seu rosto, a barriga enorme que salta para fora da blusa de algodão puída.
O Regente Supremo de Toda a Espécie Humana é um garoto de treze anos.
Ninguém sabe que é ele quem controla os destinos de todos. Só ele. Mas isso por enquanto está bem. Quanto menos gente interferir em sua vida, melhor.
Não que haja muita gente que seja capaz de interferir na vida ocupada do Imperador da Galáxia. A Rainha-Mãe há muito que é morta - para falar a verdade, ele mal a conheceu - sua irmã vive trancada em seus aposentos, de onde exala um cheiro enjoativo de incensos e coisas proibidas que ela usa com fins secretos.
E o pai do Imperador. Um homem perdido, que se perde em um tempo em que tudo era melhor.
O Imperador concorda plenamente com seu pai, para ele o melhor ser humano que já existiu na face da terra. Um homem bom, digno, incapaz de fazer qualquer maldade. E que destruíram sem dó nem piedade, e só consegue encontrar na bebida e nos discos de Gardel o lenitivo para seu sofrimento. Nesses momentos o Imperador se lamenta, sofre solidário, e jura que fará algo a respeito. Mas hoje não.
O Imperador passa seus dias reinando supremo em listas de discussão no espaço cibernético, emitindo opiniões, lançando conceitos, revoltando-se contra os infiéis decadentes. Pouco lhe importa que lhe atirem pedras: no fundo, sabe que está certo.
Há muito ele resolveu o problema da barriga. O Imperador da Galáxia parou de olhar seu corpo no espelho.
Luís gostava de ler. Tudo o que lhe caísse nas mãos era bem-vindo: livro, revista, bula de remédio. Preferia, contudo, os livros. Aprendera desde muito cedo que cada livro era um mundo, pleno de possibilidades.
Luís também era pleno de possibilidades. Pais de classe média, boas escolas, futuro brilhante. Poderia fazer o que quisesse na vida, condições para isso não lhe faltavam.
Mas a vida era dura. A cada crise, a cada problema nos estudos, no estágio, nos empregos, Luís buscava santuário nos livros. Ali ele não precisava lutar pelo pão de cada dia do patrão com o suor do seu rosto; não precisava engolir sapos viscosos a cada dia no escritório; não precisava aprender a se relacionar bem com os colegas. Ali ele pilotava naves no espaço profundo, solucionava crimes impossíveis, desbaratava conspirações, fazia sexo com a mocinha no final. Luís aprendera que ali as regras eram outras: todos os mundos eram bons, até mesmo os maus; todos os mundos eram válidos.
O tempo passou. Luís pulou de emprego em emprego e acabou conseguindo se manter no pior de todos porque todas as outras opções já haviam sido desperdiçadas. Num deles, apaixonou-se. Mas nunca ousou se declarar.
Hoje, Luís está aposentado. A casa, repleta de livros. Não pára de ler nem por um instante, e só sai à rua em caso de absoluta necessidade. Luís aprendeu que todos os mundos valiam a pena ser vividos. Menos o seu próprio.