Pequeno Dicion?rio de Arquétipos de Massa

pequenas ficções e alguma crueldade

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sexta-feira, janeiro 17, 2003
 


Desvio para o Vermelho

Leandro começou com passarinhos. Pegava um pardal com uma arapuca, aninhava o bichinho entre os dedos com um carinho não muito distante do perverso, e em seguida furava-lhe os olhos com uma agulha de costura roubada da mãe.
Uma coisa pode não ter a ver com a outra, mas daí para roubar dinheiro da mãe para comprar um trinta e oito foi um pulo. Primeiro puxou carros, depois pequenos furtos à noite, e finalmente os grandes assaltos à mão armada. Que culminaram com um seqüestro que foi manchete dos grandes jornais.
O que não impediu que ele fosse apanhado. Foi parar num presídio de segurança máxima. Apareceu muito na televisão, mas isso não estava nos planos dele. Pensaram até em fazer um filme sobre sua vida, mas ele não ligava muito para essas coisas. Só pensava em fugir para continuar seu caminho.
O caminho terminou dois meses depois, numa rebelião no presídio. Ao tentar fugir, teve sua saída barrada por dois detentos, que lhe dispararam seis tiros à queima-roupa.
Leandro caiu ainda com vida. O sangue começou a formar poças pelas pernas, braços, tronco e rosto. Leandro sentiu a boca anestesiar, e os olhos foram lentamente perdendo o foco. Agora ele estava calmo. Sabia qual seria o seu destino.


segunda-feira, janeiro 13, 2003
 



Vampiros

Paulo é um homem discreto, apesar da profissão. Ele é músico, baixista, e toca num grupo de jazz conhecido. Está sempre em evidência, embora nunca em primeiro plano. Isso lhe cai bem, pois ele pode andar pelas ruas de Ipanema e do Leblon de madrugada sem que ninguém o perturbe.
Paulo gosta de caçar. Não importa sexo, cor, religião: basta que seus olhos pousem sobre a vítima e um arrepio sutil percorra seu corpo, da base da nuca até a virilha, e pronto. Ele joga seu charme, sempre da maneira mais adequada para o caso em questão. Quase sempre consegue, e é nisso que reside o perigo, pois Paulo conhece bem o velho ditado árabe que diz “Cuidado com o que você procura, pois pode conseguir.” Às vezes Paulo consegue até demais: ele se apaixona.
E então tudo é felicidade, estado de graça. Paulo se entrega à paixão. Seu parceiro do momento também, e sempre se entrega mais (Paulo não escolhe aleatoriamente, afinal). Um dia, de repente, tão súbita quanto no começo, a paixão se acaba. Para Paulo isso não é nada demais, ele já está acostumado: turnês na estrada, viagens constantes, essas coisas não ajudam um relacionamento que se pretenda duradouro.
Mas para seu parceiro da ocasião, a indiferença que Paulo afeta nesse momento é dolorosa. Essa é a pior parte: é o tempo das brigas, das discussões, das ameaças, às vezes das agressões. Paulo sempre sai ileso dessa fase desagradável: não se pode dizer o mesmo de seus amantes. Uma se matou, outra surtou, um terceiro fez anos de análise. Paulo suga todos que se envolvem com eles. E depois joga fora.